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“Garantir Direitos Sem Criminalizar, Medicalizar e Rotular” é tema de debate em Seminário


Data de Publicação: 5 de dezembro de 2015


A segunda mesa de debates do segundo dia do X Seminário Regional de Psicologia e Direitos Humanos e IV Seminário Regional de Psicologia e Políticas Públicas teve como temática “Garantir Direitos Sem Criminalizar, Medicalizar e Rotular”.

Eliana Olinda Alves (CRP 05/24612), presidente da Comissão de Psicologia e Justiça do CRP-RJ, foi a mediadora dessa mesa, que teve falas de Lygia de Sousa Viégas, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e membro do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, de Marcos Antônio do Nascimento (CRP 05/23163), psicólogo, pesquisador do Instituto Fernandes Figueira e colaborador do Institute Of Development Studies da University of Sussex (Reino Unido), e de Rafael Coelho Rodrigues (CRP 05/29234), professor de Psicologia da Faculdade de Ciências Médicas e Paramédicas Fluminense (SEFLU) e membro da Coordenação Executiva do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis (CDDH).

Lygia Viegas iniciou sua fala diferenciando os conceitos de medicação, medicamentalização e medicalização. “Medicalizar não é sinônimo de administrar medicamentos porque, na verdade a medicalização é um fenômeno mais complexo. Usar medicamentos significa medicar e todos nós, em algum momento de nossas vidas, já usamos remédios. Agora, muitas pessoas desenvolvem uma relação abusiva com o medicamento; a esse fenômeno chamamos medicamentalização. A medicalização não envolve também apenas o uso abusivo de medicamentos. A medicalização, na verdade, é um processo que vai transformar e reduzir fenômenos complexos da vida em questões individuais e de caráter biológico”, explicou a professora.
Em seguida, Lygia criticou o processo de medicalização que vem atravessando a o cenário da educação no Brasil. “Tem acontecido uma transformação no que chamamos do processo de fracasso escolar, que vem acompanhando a história da educação no Brasil”.

Conforme assinalou Lygia, “desde que se instituiu a educação pública no Brasil, a partir da década de 1930, vem se perpetuando um processo de fracasso escolar, isto é, a escola não vem ‘dando conta’ de cumprir com sua tarefa de ensinar as crianças a aprender, a ler, a escrever, a ver o mundo e a si posicionar nesse mundo. Diante desse cenário, o que tem acontecido é dizer que, se determinada criança não aprende é porque ela tem algum problema cognitivo ou alguma incapacidade em aprender. Quando fazemos esse diagnóstico, estamos desconsiderando todo o impacto do contexto histórico, político, econômico e social sobre o processo de educação no Brasil. Além disso, esse discurso acaba legitimando a desresponsabilização da escola no processo de ensino – aprendizagem dessas crianças”.

Marcos Nascimento abordou as questões sobre gênero e sexualidade. “Eu gosto de prestar atenção naquilo que ouço nas ruas, no metrô, no ônibus e me chamam muito atenção as seguintes falas: ‘ela é a princesinha do papai’ ou ‘ele é o campeão do papai’. Há uma diferença nesse discurso e isso não acontece por acaso. Acabamos naturalizando esse repertório de palavras e repetimos com nossas crianças. As meninas vão ser tratadas geralmente no diminutivo, ‘lindinhas’, ‘princezinhas’, ‘bonitinhas’, e os meninos vão ser tratados sempre no aumentativo, ‘campeão’, ‘garotão’, ‘meninão’. Precisamos desnaturalizar esses discursos”.

Em seguida, Marcos Nascimento falou de como essas questões permeiam o espaço escolar através de falas como “brincadeiras de menino” e “brincadeiras de menina”. “Essas falas não têm nada de natural. Eu estou segregando papeis e transformando a escola num espaço segregacionista em termos de gênero, conferindo o que imaginamos ser um papel adequado para os meninos e outro para as meninas”, observou.

“Precisamos pensar nos adolescentes, nos garotos e garotas, como sujeitos de direitos sexuais e de gênero. A diversidade de gênero presente na escola muitas vezes coloca em xeque o direito de garotos e garotas em exercerem sua sexualidade como homem, como mulher ou rejeitando ambas essas denominações. Essas questões costumam aterrorizar a santa paz da escola, onde professores e diretores não estão acostumados a lidar com essas performances de gênero. Para complicar ainda mais essa história, começaram a surgir no espaço da escola figuras ambíguas que reconhecemos como alunos transexuais. Como se lida com isso nesse espaço? Muitas vezes expulsando esse aluno, nós sabemos disso. Por isso, a evasão escolar da população trans é extremamente elevada em nosso país”, destacou Marcos Antônio.

Por fim, Rafael Rodrigues centrou sua fala na criminalização da juventude brasileira e na tentativa de redução da maioridade penal. “Precisamos entender o contexto que faz com que a demanda de redução da maioridade penal, que existe desde a criação do ECA, hoje se torne mais possível. No Brasil, temos apenas resquícios de um Estado de Bem-Estar Social. Na verdade, temos, na prática, um Estado de Mal-Estar Social que acolhe nossos jovens e produz sua criminalização em massa. Por isso, é sempre bom repetir que a proposta de redução da maioridade penal é para certa camada da população”.

“Um conceito muito difundido é de exclusão social da juventude negra, pobre e favelada. Na verdade, eles não são excluídos, eles estão incluídos, só que de uma forma perversa e diferenciada desde o momento em que nascem. Nós, psicólogos, podemos e devemos pensar o que temos a ver com isso. Por mais incômodo e indigesto que possa nos parecer, precisamos fazer um diagnóstico da adesão da população brasileira a essa proposta de redução da maioridade penal. Será que nosso modo de vida e nossas práticas não estão legitimando essa adesão da população?”, questionou Rafael.

 

Dezembro de 2015