É com profunda preocupação que o Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ) vê a nomeação do pastor Ezequiel Teixeira, deputado federal filiado ao recém-criado Partido da Mulher Brasileira (PMB), para a Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro (SEASDH/RJ). Os motivos para tal preocupação são muitos.
Ocupar este espaço requer, como requisito básico, uma trajetória vinculada à luta em defesa dos direitos humanos e, portanto, experiência na área. No caso do pastor Ezequiel Teixeira, ocorre o contrário: o pastor apresenta posições profundamente conservadoras que ferem diretamente os direitos humanos – tais como apoiar a redução da maioridade penal e não reconhecer como família uniões homoafetivas.
Estas e outras posições assumidas pelo pastor demonstram claramente sua incapacidade de discernir entre o moralismo conservador que rege sua própria igreja e a postura ética inerente à pessoa que assume o cargo ao qual foi designado, uma vez que o grau de complexidade das questões sociais que a pasta envolve requer despir-se de tal moralismo religioso, bem como o respeito e o reconhecimento dos direitos de todo e qualquer cidadão.
Somente quando lutamos, sem tréguas, para nos despirmos de nosso preconceitos, é que podemos lidar com o outro. Em sua prática como pastor, como legislador e como cidadão, Ezequiel Teixeira sistematicamente julga fundamentado em seu credo religioso, tentando impor esse juízo a toda a sociedade, por meio de propostas de lei que apoia ou apresenta, além de atos legislativos como deputado federal. Em texto publicado em seu site, o pastor recomenda a leitura de um texto do colunista ultraconservador da Revista Veja, Rodrigo Constantino, e afirma ver “políticos arrumando desculpa na pobreza do cidadão para justificar a violência”, referindo-se a adolescentes que tenham praticado atos infracionais como “marginais disfarçados de menores, que causam um terror na vida do cidadão de bem” e “bandidos que sentem prazer em roubar”.
Ao usar tais argumentos para defender a redução da maioridade como forma de “acabar com a impunidade”, em suas próprias palavras, Ezequiel Teixeira ignora questões sociais fundamentais, como desigualdades sociais e de oportunidades, a descriminação de que são vítimas jovens pobres e negros que habitam as favelas do Rio de Janeiro, mantidos à margem da sociedade que o pastor qualifica como a dos “cidadãos de bem”, em um discurso preconceituoso e meritocrático.
A forma absolutamente homofóbica com que o deputado evangélico se referiu às uniões homoafetivas durante a votação realizada pela Comissão Especial do Estatuto da Família (PL 6583/13) na Câmara dos Deputados, em 8 de outubro último, o desqualifica para lidar com a questão de gênero e de promover os direitos da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) – responsabilidade de quem assume a pasta que lhe foi destinada.
Na ocasião, ao negar o reconhecimento do conceito de “família” a pessoas do mesmo sexo, o pastor afirmou que as uniões homoafetivas “são verdadeiros desarranjos” e uma “anarquia” da qual o país precisa ser salvaguardado. Com seu voto, ajudou a manter a definição de família como “a entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”, que precisa ser revista para considerar mudanças e avanços, muitos deles estabelecidos em lei.
Em março deste ano, o deputado apresentou ainda um Projeto de Decreto Legislativo (PDC 26/15) que pedia a sustação da Resolução nº 12/2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). O documento recomenda a escolas e universidades que estudantes sejam tratados conforme sua identidade de gênero (independentemente do registro civil), garantindo-lhes inclusive o direito de usar uniformes, banheiros e vestiários de acordo com o gênero em que a pessoa se identifica. Contra a promoção de direitos à comunidade LGBT pela SDH/PR, o pastor alegou que “a família é a base da sociedade” e as medidas determinadas pelo documento “causam uma ruptura dos valores familiares” e, segundo ele, “não compete ao CNCD/LGBT a implementação de ações voltadas à adoção de políticas públicas”.
Como se não bastasse, durante a campanha eleitoral de 2014, homossexuais eram comparados ao anticristo em panfletos que, pedindo votos para Ezequiel Teixeira, alegavam ainda que crianças adotadas por casais homoafetivos estariam “expostas à pedofilia” e sob o risco de sofrer “transtornos de identidade sexual na infância”, de acordo com reportagem publicada no jornal O Dia em 15 de dezembro de 2015.
Diante do exposto, o CRP-RJ, que se posiciona historicamente em defesa dos direitos humanos e da igualdade social e de gênero, considera que o pastor evangélico Ezequiel Teixeira não tem condições de assumir a SEASDH/RJ, e que sua nomeação representa um retrocesso nas políticas públicas calcadas na garantia do respeito aos direitos humanos – que, vale destacar, não podem e não devem se subordinar a interesses e morais de qualquer religião. O CRP-RJ vê estas manifestações e atos políticos e legislativos, que se intensificam no Brasil, como um ataque direto ao princípio e os fundamentos legais que estabelecem a laicidade do Estado, em todos os seus poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e instâncias.
O Conselho pontua, entre suas principais preocupações, a possibilidade de fechamento dos centros de referência da comunidade LGBT no Rio de Janeiro e a extinção do Programa “Rio Sem Homofobia” que, subordinado à SEASDH/RJ, já passa por uma grave crise desde o início deste ano – com atraso de salários de prestadores de serviço nas áreas jurídicas, da psicologia e serviço social, e consequente deficiência no atendimento nos centros de cidadania para cidadãos LGBT.
Dezembro de 2015
 
             
               
               
               
               
    
                     
    
                    